segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Artigo: Equívocos do senso comum Eratóstenes Lima* e Renato Dagnino*

Equívocos do senso comum
Eratóstenes Lima* e Renato Dagnino*

Intencionando uma abordagem clara e pragmática pretendemos, com uma série de pequenos artigos denominados “Série Equívocos do senso comum”, contribuir para o esclarecimento público acerca de temas de interesse coletivo, especialmente neste momento histórico em que a sociedade brasileira exibe seu clamor nas ruas por mudanças na ordem político-institucional.
Não pretendendo esgotar o tema, nesta primeira apresentação trataremos dos
significados de “senso comum”, e de como a mídia, especialmente a TV aberta, pauta o conteúdo das discussões na sociedade, apresentando com seu insistente discurso uma cadeia de leituras e interpretações da realidade, “selecionadas e editadas” de acordo com os interesses dos grupos econômicos e políticos detentores desta cadeia de mídia, representada no Brasil por apenas nove famílias que, de forma absolutamente intencional, “desinformam” a sociedade a cada dia.
O Vocabulário técnico e crítico da Filosofia de Lalande apresenta, entre outras
concepções sobre senso comum, uma que nos chama a atenção: [...] o senso comum é o conjunto das opiniões tão geralmente admitidas numa época e num meio dado, que as opiniões contrárias aparecem como aberrações individuais, que será inútil refutar seriamente e das quais é melhor rir, se forem fúteis, mas que será melhor debater seriamente se forem graves.
A definição do senso comum como o conjunto das opiniões tão admitidas numa época e num meio dado que as opiniões contrárias aparecem como “aberrações individuais” mostra a busca pela homogeneização das opiniões que circulam pelo social, sendo que o que sai do comum, as opiniões adversas são vistas como aberrações. E, por meio desse ponto de vista, observamos uma delimitação para que a configuração da heterogeneidade, para o espaço do diferente e aceitação deste, já que o que é visto como aberração é posto à margem da sociedade. Geertz (1983), diz que o senso comum coloca os dizeres de maneira literal, sendo apenas aquilo e não outra coisa, ou seja, os sentidos que constituem o senso comum não tendem para o deslizamento, para o deslocamento (polissemia) e sim para a estabilidade, para a repetição (paráfrase), o que reafirma esse desejo pelo mesmo, pelo estável, pelo comum.
Importante ressaltar ainda que o senso comum “resolve” as discussões com meras alegações, não com evidências concretas (aí seria exigir demais, pois pesquisa séria cansa - e já deixaria de ser senso comum), e não se baseia em métodos ou conclusões científicas, e sim no modo comum e espontâneo de assimilar informações e conhecimentos úteis no cotidiano: uma herança cultural que tem a função de orientar a sobrevivência humana nos mais variados aspectos. Os equívocos de definição levam ao senso comum julgar "espectros" idealizados, e não fatos concretos. Pode-se dizer, de forma simplificada, que é comum ao senso comum falar de coisas de que não entende.
A questão ideológica é, em si, outra panacéia. Para mostrar nossa pretensa "criticidade" em relação a algo, basta lançar a acusação de "comprometimento ideológico". Essa talvez seja a mais absoluta de todas as panacéias, pois não imaginamos neste momento onde não se a possa aplicar a existência de ideologias, das mais diversas, nas opiniões que se formam no seio da sociedade.
  
Professor Eratóstenes de Almeida Fraga Lima: Engenheiro Sanitarista (UFBA), Especialista em Gestão Estratégica Pública (Unicamp), Mestrando em Ecologia Aplicada à Gestão Ambiental (UFBA). CV: http://lattes.cnpq.br/4798824200048282 Professor Renato Dagnino: Titular do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), do Instituto de Geociências na Universidade Estadual de Campinas, Pós-doutor pela Universidade de Sussex - Inglaterra. CV:
http://lattes.cnpq.br/0864711435393000

Vejamos como exemplo a "lógica de futebol": se nosso time perdeu certamente é porque houve roubo - ou alguém foi comprado - ou então os assistentes do jogo, como juízes, bandeirinhas, etc., tem "comprometimento ideológico" com o time adversário, e o mesmo se aplica aos julgadores deste ou daquele caso.
Trata-se de um nível menos patológico da chamada "teoria da conspiração".
Imaginamos que há de fato os que acreditam nessa argumentação, mas é de fato uma questão de fé, um dogma, uma vez que não é possível provar o contrário - ainda que se tenha como provar o contrário - mas a evidência poderá ser questionada em sua credibilidade enquanto fonte, ou então ser mais um caso de "comprometimento ideológico". De qualquer forma, não é incomum que uma mesma pessoa ou entidade seja acusada de "comprometimento" (ideológico ou por corrupção) mesmo em relação a
ideologias opostas (conforme o interesse do acusador).
Assim, as formulações que constituem o senso comum são produzidas historicamente, buscando a estabilidade, a normalidade, a circulação do mesmo no meio social.
Pêcheux (1999), afirma que “a história não é outra coisa do que a resultante de uma série de situações de interações reais ou simbólicas (...)”, e o senso comum constitui-se no simbólico, na relação entre língua e história, significando-se nessa interação como uma força normalizadora e coercitiva (LAGAZZI, 1988). E na estabilização e naturalização dos dizeres e das opiniões há um desejo de não romper com fronteiras visíveis e invisíveis, tornando tudo uma coisa una e indivisível.
Desse modo, é pelo funcionamento da ideologia que apagamos os outros sentidos e significados, e que “silenciamos” a polissemia. Esse apagamento da polissemia como sendo da instância do senso comum, pode-se considerar como sendo una e indivisível, sujeita também a generalizações, e faz parte do senso comum dizer que todos os políticos são ladrões, que precisamos salvar a natureza, ou seja, opiniões aceitas e convenções estabelecidas (PRADO JR, 1979).
Há evidentemente aí a produção do imaginário de verdades absolutas, propaladas pela mídia, que promove a ideologização de seus interesses na sociedade.
Nessa linha tênue e invisível presente no sistema capitalista, a homogeneização das opiniões, das idéias, nos dizeres do senso comum consolidam-se barreiras numa relação por vezes contraditória, já que o senso comum, ao tender para a estabilidade, para o mesmo, para o não deslocamento de sentidos, nega um posicionamento revolucionário no âmbito social devido à falta de um desejo por mudança e pelo diferente. Isso ocorre porque os valores sociais “pré-construídos” reproduzem e sustentam tal discursividade, constituindo, assim, uma memória discursiva sem diferenças, que possuem a característica de apregoar a mesma opinião sobre todos os assuntos.
Se há uma polissemia intrínseca, silenciada por um movimento da ideologia proclamada pela mídia, também pode haver a polissemia nos dizeres do senso comum, silenciados também por um trabalho da ideologia, naturalizando, dessa forma, preceitos, idéias e opiniões. É, talvez, nesse apagamento que pode haver a presença de uma barreira, tênue e quase imperceptível: a barreira social daqueles que definem o que será considerado como senso comum em uma sociedade. Quais vozes são silenciadas nos dizeres do senso comum? Quais sentidos são silenciados para que outros adquiram significado? O que é reiterado nesses dizeres?
O senso comum e a ciência são expressões da mesma necessidade básica, a
necessidade de compreender o mundo, a fim de viver melhor e sobreviver. Para aqueles que teriam a tendência de achar que o senso comum é inferior à ciência, lembramos que, por dezenas de milhares de anos, os homens sobreviveram sem coisa alguma que se assemelhasse à nossa ciência, que tem apenas três séculos de existência.
O senso comum e a ciência partem do mesmo princípio: a necessidade do homem de compreender o mundo e a si mesmo. O ser humano, por milhares de anos, viveu numa sociedade em que não havia ciência e mesmo assim deu continuidade ao processo de evolução. É preciso compreender que sendo a ciência um “refinamento” do senso comum, devemos então respeitá-lo e não desprezá-lo, já que esse serve de ponto de partida para aquela.
Mas uma questão fundamental se faz necessária: quais são as mudanças necessárias no pensamento para que seja possível a compreensão do novo?
O atual contexto político, pródigo em incertezas, grande desorientação, muita desilusão e não menor insatisfação, é propício também, e talvez por isso mesmo, à aceitação fácil das falsas evidências com que a mídia e os poderes instituídos a serviço do capital contam para o eficaz controle ideológico da sociedade. Apresentadas sob a forma de raciocínios simplistas e enraizadas na opinião pública por pressão constante dos ‘fazedores de opinião’, fazem parte do esquema mental que nos pretendem incutir de não haver alternativa social às ‘inevitáveis’ soluções do mercado. Tudo é feito, pois, em nome do mercado. [Talvez os mais jovens não se lembrem, ou nem mesmo tiveram
oportunidade de refletir criticamente sobre, mas na década de 90, no Brasil, a reforma neoliberal, de conseqüências tão maléficas para a soberania nacional e o povo brasileiro, foi apregoada pelos governos Collor e FHC, e até (pasmem) defendida pelos que mais tinham a perder com ela].
Nesta oportunidade vamos destacar dois dos equívocos que vêm pautando o quotidiano dos debates atuais na sociedade brasileira, e que nos importa “desmontar”, até porque deles invariavelmente se extraem consequências ou assentam medidas cuja necessidade pretende a mídia justificar (quando não mesmo impor) como evidências naturais e inevitáveis:
O primeiro pretende que tudo o que acontece de mau no país é da responsabilidade do Governo e, por extensão, do Estado. Isso significaria então que bastaria uma simples mudança do Governo para que tudo mude ou, pelo menos, melhore.
O segundo diz respeito à origem da desgraça: tudo, afinal, se resume às atávicas diferenças de produtividade com os nossos concorrentes ou parceiros. Logo, conclui-se, o que importa é desvalorizar o trabalho tanto quanto for necessário para nos podermos equiparar (ou pelo menos aproximar) aos nossos mais diretos competidores.
Um dos temas dominantes na contemporaneidade é o papel que o Estado deve
desempenhar nas sociedades modernas, referência obrigatória nas análises efetuadas sobre as múltiplas questões sociais. O papel do Estado é avocado tanto para se evidenciar a sua necessidade imperiosa nas políticas públicas, ou a sua dimensão desmesurada, quanto para acentuar sua imprescindível função regulatória de que não se pode prescindir, e o crescente peso advindo das inúmeras funções sociais, antes reservadas ao estrito âmbito da assistência meramente “filantrópica”.
Não admira, pois, que quando se trata de encontrar explicação para os problemas atuais, que os olhos se virem, inevitavelmente, para os governantes atuais, considerados, em última análise, como os causadores de todas as desgraças que acontecem. Não deixa de haver algum fundamento nesta simplificação, pois que se firma na perspectiva, afinal bem razoável, de que as escolhas políticas deveriam ter capacidade para impor os seus pontos de vista sobre as restantes componentes da vida, na ilusão de que aos cidadãos-eleitores, através dos seus eleitos, caberia orientar e controlar politicamente os diferentes aspectos sociais, incluindo a economia. Como sabemos, não é assim que acontece.
O que se estabelece, no presente momento, no debate baseado no senso comum, desconsidera a análise do contexto histórico, político e social, do jogo de poder, dos interesses da burguesia nacional em manter seus privilégios e nos interesses do capital internacional.
Não temos intenção nesta primeira abordagem de tratar de tantos temas, que requerem um aprofundamento maior, mas entendemos ser imperioso afirmar que infelizmente temos, no Brasil, um Estado cativo a um sistema econômico que tudo comanda e que efetivamente governa. Com efeito, são os ‘mercados’, mais que quaisquer políticas ou tendências ideológicas, que ditam as soluções a adotar e as medidas a tomar. Que definem as regras e traçam os limites, que concedem as benesses de uma expansão econômica ou impõem os danos das restrições financeiras. Em suma, que elegem os beneficiados (o capital e a burguesia) e designam os punidos (a sociedade).
Recomendamos assistir ao Jornalista Paulo Henrique Amorim:
1. Palestra na abertura da Etapa Bahia da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, na FLEM (CAB), em Salvador, em 14/11/2009.
(1ª Parte): https://www.youtube.com/watch?v=BM99kvcc6NQ
(2 ª Parte): https://www.youtube.com/watch?v=LcWU9RLSj9M
(3 ª Parte): https://www.youtube.com/watch?v=PeC0tiIC5Wg
(4 ª Parte): https://www.youtube.com/watch?v=98P9VAY15u0
2. Falando do PIG (partido da imprensa golpista), disponível em


Nota dos Autores: nas próximas edições abordaremos em nossos artigos temas
como:
- ‘Transformar conhecimento em riqueza’ ou transformar conhecimento em inclusão?
- Educação e desigualdade social.
- Por que nossos impostos não geram o estado de bem estar social que almejamos?
- Tecnologia Social e Economia Solidária: uma perspectiva para transformação.
- Gestão Pública para a cidadania.
- Estado Herdado e Estado Necessário.
- O Estado deve planejar ou resolver problemas?, dentre outros


Observação da Blogueira: Contato do colega:
Professor Eratóstenes de Almeida Fraga Lima - Toza Lima
Engenheiro Sanitarista
Especialista em Gestão Estratégica Pública
Tel: 55 - 71 - 8152-3451
Toza Lima" <tozalima.ufba@gmail.com