terça-feira, 21 de junho de 2016

A Relação Homem-Natureza e os Discursos Ambientais

A Relação Homem-Natureza e os Discursos Ambientais
Zilda Fátima Mariano, Iraci Scopel, Dimas Moraes Peixinho, Marcos Barros Souza
Revista do Departamento de Geografia – USP, Volume 22 (2011), p. 158-170. 158 5 8.


A RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E OS DISCURSOS AMBIENTAIS


Resumo: Apesar dos avanços tecnológicos a sociedade ainda não conseguiu tornar-se independente dos recursos naturais. Desde a fase primitiva, quando o homem tinha uma relação de dependência total, a natureza era vista como fonte de alimento. Depois, o homem adquire o hábito sedentário, criando novas habilidades tecnológicas, no intuito de dominar progressivamente a natureza. Entretanto, as sociedades evoluíram, sendo que o grande problema da civilização moderna, industrial e tecnológica é, talvez, não ter percebido a dependência com a natureza. Em busca do rompimento desta dependência as sociedades, baseadas no seu modo de produção, apresentaram vários discursos ambientais. Nesse contexto são apresentados os conceitos da relação natureza/natural e homem/sociedade e alguns discursos como: da crise ambiental, dos ecologistas, do ecodesenvolvimento, da natureza como patrimônio de todos, do medo ecológico e da Universidade.
Palavras-chave: Questão ambiental; Relação homem/natureza; Ecologia.


Abstract: In spite of technological advancements, the society still didn't reach to become independent of the natural resources. Since the primitive phase, when the man had a relation of total dependence, the nature was seen as a source of food. After, the man gets into the sedentary habit, creating new technological skills, in the intention of dominating progressively the nature. In this meantime, the societies evolved and the great problem of the modern, industrial and technological civilization is, perhaps, not to have realized the dependence from the nature. In search of the breakage of this dependence the societies, based on his way of production, presented several environmental speeches. In this context are presented the concepts of nature/native and man/society relationship and some speeches as: of the environmental crisis, of the ecologists, of the environmental development, of the nature as inheritance of all, of the ecological fear and of the University.
keywords: Environmental question; man/nature relationship; Ecology.
1Universidade Federal de Goiás - Campos Jataí – E-mail: zildamariano@hotmail.com
2Universidade Federal de Goiás - Campus Avançado de Jataí – E-mail: iraciscopel@gmail.com 3Universidade Federal de Goiás - Campus Avançado de Jataí – E-mail: dimaspeixinho@yahoo.com.br 4Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – E-mail: souzamb@usp.br
DOI: 10.7154/RDG.2011.0022.0008


INTRODUÇÃO
Apesar dos inúmeros avanços tecnológicos a sociedade ainda não conseguiu ficar independente dos recursos naturais. Desde a fase primitiva, nômade, quando o homem tinha uma relação de dependência total, pois a natureza era vista como fonte de alimento. Depois o homem passa ao hábito sedentário criando novas habilidades tecnológicas, no intuito de dominar progressivamente à natureza, ou seja, libertar-se da estreita dependência que obriga todas as demais espécies de seres vivos a buscarem na natureza, locais com condições favoráveis de vida.

O sedentarismo foi o terreno fértil para iniciar o controle da natureza, porém em um ritmo ainda lento, de uma relação harmoniosa. Mas as sociedades evoluíram com a história, sendo que o grande problema da civilização moderna, industrial e tecnológica foi, talvez, de não ter percebido que ainda dependia da natureza, como aponta Branco (1997, p. 22):
O homem quer queira quer não, depende da existência de uma natureza rica, complexa e equilibrada em torno de si. Ainda que ele se mantenha isolado em prédios de apartamentos, os ecossistemas naturais continuam constituindo o seu meio ambiente. A morte desses ecossistemas representará a morte do planeta.

Assim, a procura em romper essa dependência com a natureza, ocasionou várias interferências da sociedade de uma forma não cíclica, mas contínua e/ou desordenada que, ora introduz elementos estranhos, ora retira elementos essenciais do sistema, provocando os impactos ambientais.
Em busca dessa ruptura na dependência homem/natureza as sociedades, baseada no seu modo de produção, apresentaram vários discursos ambientais, sendo alguns baseados na preservação total da natureza, os preservacionistas ou ambientalistas, outros no uso racional dos recursos naturais, o ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável e outros.

Nesse contexto do discurso ambiental são apresentadas algumas formas de discursos da sociedade ocidental, baseada no modo de produção capitalista. É claro que seria uma tarefa muito árdua querer estabelecer e determinar todos esses discursos. Dessa forma foram feitos alguns recortes, sendo que primeiro será discutida a relação natureza/natural e homem/sociedade, depois são apresentados alguns discursos, como: o discurso da crise ambiental, o discurso dos ecologistas, o discurso do ecodesenvolvimento, o discurso da A Relação Homem-Natureza e os Discursos Ambientais, natureza como patrimônio de todos, os discursos do medo ecológico e o discurso da Universidade.

Os conceitos de natureza/natural e de homem/sociedade tiveram várias mudanças no transcorrer da história da humanidade. Esses conceitos foram criados pela evolução do homem, enquanto sociedade, transformando o espaço vivido, o natural e a natureza através do trabalho. Segundo Santos (1996, p. 87),
O trabalho é a aplicação, sobre a natureza, da energia do homem, diretamente ou como prolongamento do seu corpo através de dispositivos mecânicos, no propósito de reproduzir a sua vida e a do grupo... pois, o homem é o único que reflete sobre a realização de seu trabalho. Antes de se lançar ao processo produtivo, ele pensa, raciocina e, de alguma maneira, prevê o resultado que terá o seu esforço.

Esse trabalho transformou a natureza em diferentes paisagens, no transcorrer do tempo. Configurando-se os modos pelos quais as diferentes culturas, nas diferentes épocas, se relacionaram com o natural, ou seja, a exploração dos recursos naturais, “a natureza vai registrando, incorporando a ação do homem, dele adquirindo diferentes feições do respectivo momento histórico” (SANTOS, 1996, p.87).

Talvez esse relacionamento com a natureza tenha sido engendrado deste a revolução científica, no século XVI, baseado no modelo de racionalidade, ostentando a separação entre a natureza e o ser humano, como cita SANTOS (2001) através de Bacon: “a ciência fará da pessoa humana o senhor e o possuidor da natureza” (p. 89).

Sem dúvida a mecânica newtoniana e o racionalismo cartesiano impuseram um ritmo mecânico da natureza, o mundo da máquina, decomposto em elementos, em partes, resultando numa visão de mundo marcado pelo determinismo mecanicista, o qual é afirmado no filme “Ponto de Mutação”, quando os atores conversam sobre a máquina, o relógio, na cena do relógio na torre de um castelo. Esses personagens apresentaram a concepção de Descartes em relação ao mecanismo da vida comparando ao relógio, baseado em CAPRA, (1981, p. 57-58).

Assim, comparou o corpo dos animais a um relógio composto de rodas e molas e estendeu essa comparação ao corpo humano: considero o corpo humano uma máquina [...] o homem doente é um relógio mal fabricado [...] e o homem saudável a um relógio bem-feito [...] a concepção da natureza como uma máquina perfeita, governada por leis matemáticas exatas [....]
Nessa cena ficaram expressos os dois aspectos da filosofia cartesiana: o caráter pragmático, a natureza é vista simplesmente como um recurso e o antropocentrismo, o homem como centro do mundo, como afirma Gonçalves (2000, p. 12): “*...+ senhor e possuidor da natureza *...+”.
Esse pensamento reforçou as idéias mercantilistas, onde o colonialismo foi o senhor e possuidor do mundo, consagrando a capacidade humana de dominar a natureza.

A Revolução Industrial reforçou a ruptura dos dogmas religiosos, a visão de natureza sagrada, enfatizando-a como algo concreto, cada vez mais um objeto a ser possuído e dominado pelo homem.
Essa decomposição da natureza é o reflexo da superioridade imposta pela sociedade. O excessivo domínio do homem sobre o natural por meio do progresso, resultando na dicotomia homem-natureza. Hoje, a sociedade vigente questiona essa ação, pois foi imposto um ritmo acelerado em nome do desenvolvimento econômico, desconsiderando que as partes formam o todo e quando uma parte não é considerada pode ocasionar mudanças, as quais foram denominadas por muito tempo como catástrofes, sendo muitas vezes resultantes das ações humanas, como afirmam Alphandéry et al. (2000, p. 76).): “*...+ o homem pouco a pouco perdeu o seu domínio *...+”

O discurso da crise ambiental
O processo histórico estabeleceu uma relação sociedade e natureza, a qual foi determinada pelo ritmo do desenvolvimento econômico, em cada fase, avançando a degradação ambiental. Como aponta Bortolozzi e Perez filho (1998, p. 10), sobre a crise ambiental.
A crise ambiental de nossos dias, ao se constituir no próprio retrato da modernidade, coloca em evidência as mazelas da racionalidade, e reforça que nada é considerado mais moderno, do que a atual obsessão pela tecnologia e os seus efeitos sobre a vida humana.

Para os autores foi em nome da tecnologia a qualquer custo que se desenvolveu uma dominação da natureza pelo homem, separando este último cada vez mais do controle do processo produtivo, ou seja, o desenvolvimento capitalista baseado no progresso destruiu e criou várias formas de apropriação da natureza enquanto mercadoria.
O discurso do progresso, desde a Revolução Industrial, foi apresentado como sinônimo de prosperidade e de bem-estar aos homens que, no entanto, nos dias atuais, a sociedade toma consciência da sua participação na destruição dos recursos naturais e o aumento dos riscos globais, comprometendo a vida no planeta Terra.

Essa tomada de consciência baseada desde o “pensamento ecológico” apresenta uma nova crise de visão do mundo, devido ao modelo econômico industrial que separou o homem da natureza. Como enfatiza Capra (1981), precisamos de um novo paradigma que contrapõe esse desenvolvimento, ou seja, analisar o mundo enquanto organismo vivo, um sistema.
O pensamento ecológico não criticava apenas o crescimento do modo de produção, mas o modo de vida, o questionamento das condições presentes de vida, conforme abordado a seguir.

O discurso dos ecologistas
O fato que marcou o discurso ambiental estava atrelado ao movimento ecológico, que emergiu no final da década de 60 do século XX, enquanto movimento social que buscava condições para sustentação da vida no planeta e contestava o modo de vida industrial.
Na França, esse movimento ganhou força junto a profecia do Clube de Roma a respeito do esgotamento dos recursos naturais, da crise do petróleo e do movimento antinuclear.
Assim, os ecologistas eram os defensores do meio ambiente, formados por cientistas, tecnocratas e pessoas adeptas a um projeto alternativo e, às vezes, radical, buscando o direito a um melhor meio ambiente cotidiano, ou seja, a humanização do crescimento econômico. No entanto, este movimento não passou de um fenômeno de “moda e de revolta idealista” perante os problemas econômicos e energéticos mundiais.

No Brasil, o movimento ecológico surgiu na década de 70 do século XX sob duas bases: a primeira na presença do Estado interessado nos investimentos estrangeiros, os quais só eram enviados se o país adotasse medidas preservacionistas; a última pelos movimentos sociais gaúchos e fluminenses com a contribuição dos exilados políticos que chegaram ao Brasil na década de 70 do século XX, um movimento político ou filosófico que tem como uma de suas principais características as preocupações ambientais, reivindicando e legitimando-as (GONÇALVES, 2000).

A legitimação dessas preocupações ambientais foi reforçada pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em 1972, em Estocolmo (Suécia), a qual proclamava, segundo Rodrigues (1994, p. 120), “o direito universal de todos os povos aos recursos naturais da Terra”.
Essa Conferência buscou soluções técnicas para as desigualdades sociais e econômicas entre o Primeiro e o Terceiro Mundo, como também a preocupação com os índices de poluição e a escassez dos recursos naturais. No entanto, para atingirem esses objetivos foram apresentadas duas propostas: a primeira, o crescimento econômico a qualquer custo para eliminar as desigualdades entre os dois Mundos, defendida pelo Terceiro Mundo e a última, o crescimento zero, pois qualquer crescimento econômico e populacional comprometeria mais a escassez dos recursos naturais, defendidas pelo Clube de Roma e pelos países do Primeiro Mundo. Como resultado foi estabelecido o Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o aumento dos movimentos ambientais e ecológicos (RODRIGUES, 1994).

O Relatório da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento conhecido como o relatório Brundtland de 1987 (“Nosso Futuro Comum”), afirma que as desigualdades é o maior problema ambiental e a pobreza é a causa e o efeito dos problemas ambientais. Dessa forma, apresentou uma proposta de desenvolvimento, capaz de manter o progresso humano no planeta inteiro para as próximas gerações, denominado como “Desenvolvimento Sustentável”, o qual foi ponto principal para a ECO’92, ou RIO’92, como afirma Rodrigues (1994, p. 121):
Para atingir o desenvolvimento sustentável é necessário retomar a crescimento econômico; alterar a qualidade do desenvolvimento; atender às necessidades essenciais de emprego, alimentação, energia, água e saneamento; manter um nível populacional sustentável; conservar e melhorar a base de recursos; reorientar a tecnologia e administrar o risco; incluir o meio ambiente e a economia no processo de tomada de decisões. Só assim, afirmam, se tingirá o desenvolvimento sustentável considerado como aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades.

O desenvolvimento sustentável não foi negociado na ECO’92, poucas metas foram fixadas e poucos prazos foram estabelecidos para a Convenção sobre as Mudanças Climáticas, Convenção da Biodiversidade, Protocolo das Florestas, Carta da Terra e Agenda 21, devido à crise nesse período entre Leste (União Soviética) e o Oeste (Guerra do Golfo), reforçando que as alterações econômicas e sociais e o preço do petróleo são mais importante que o meio ambiente.

No entanto, a Conferência permitiu a organização social por meio do Fórum das Organizações Não-Governamentais e Movimentos Sociais, denominado “Fórum Global”. Este buscava um novo paradigma para a relação da sociedade com a natureza, como aponta Rodrigues (1994, p. 125).
A declaração final das ONGs destaca: tomamos consciência da contradição existente nesse modelo de civilização dominante iníquo e insustentável, construído sob o mito do crescimento ilimitado e sem levar em consideração a finitude da Terra. Entendemos, por isso, que a salvação do planeta e de seus povos, de hoje e de amanhã, requer a elaboração de um novo projeto civilizatório, fundado sob uma ética que determine e fundamente limite, prudência, respeito à diversidade, solidariedade, justiça e liberdade.

O Fórum Global representou o marco da força internacional da sociedade civil e também elaborou propostas de ações conjuntas para várias questões, como: agricultura, questão urbana, educação ambiental, dívida externa, manejo de resíduos sólidos e tóxicos, biotecnologias, dentre outras.
O discurso do ecodesenvolvimento
O grande problema da civilização moderna, industrial e tecnológica é, talvez, o de não ter percebido que ainda depende da natureza. Assim, por muito tempo a palavra de ordem foi o desenvolvimento a qualquer custo, o que ocasionou profundas mazelas ao meio ambiente, como afirmam Alphandéry et al. (2000, p. 93) “*...+ as sociedades modernas foram longe demais ao pretender, graças aos seus poderosos meios técnicos, moldar a natureza em função unicamente de critérios de rentabilidade *...+”
Mas a procura de rever as atitudes maléficas ocasionadas pelo desenvolvimento econômico resultou na procura do desenvolvimento harmônico, ou seja, o homem no processo de produção respeitar as leis de funcionamento da natureza. Esta organização harmônica, denominada pelos ecologistas como ecodesenvolvimento, consiste na transformação racional do meio ambiente em benefício do ser humano e do próprio meio, pois a visão conservacionista é insuficiente para manter o equilíbrio natural dos processos do meio ambiente. Tanto que Alphandéry et al. (2000, p. 123) citam uma fala do ministro italiano do Meio Ambiente: “É preciso mudar os valores e parâmetros do ambiente econômico, rever a noção de bem estar que não poderia se resumir simplesmente em termos de crescimento e de produto nacional bruto *...+”.

Contudo, reforça a idéia que o aumento da produção não constitui o modo de viver melhor da sociedade, apresentando uma retomada de consciência baseada nas idéias da ecologia em que “*...+ os usos extremos podem levar a destruição da natureza e a degradação do meio ambiente *...+”, segundo Alphandéry et al., (2000, p. 123).

Hoje os bancos internacionais patrocinam os projetos ambientais para conquistar uma imagem ecológica, como os industriais no rótulo do eco-industriais procurando vender os produtos saúde, ou seja, os orgânicos. Essa foi uma das partes que mais cresceu na economia de alimentos, além dos produtos biodegradáveis, pois a natureza precisa ser preservada.

O discurso da natureza como patrimônio de todos
A população com medo das catástrofes e o reconhecimento da vulnerabilidade da natureza, discursa sobre a proteção da natureza e a salvaguarda dos ecossistemas e do grande equilíbrio planetário. Preocupações essas que hoje remetem a apelos solenes para fazer da natureza um bem universal comum, um patrimônio comum da humanidade.
Com ênfase a essas preocupações quase voltaram ao conceito da “natureza sagrada” na época medieval. Mas a sociedade moderna criou outras formas de representatividade da natureza, como as áreas protegidas, o espaço comunitário e o espaço público.
No entanto, essas formas de representatividade criaram mais contradições do que soluções para a relação homem-natureza, pois muitas vezes ocorre a criação de áreas naturais protegidas em territórios já ocupados por sociedades tradicionais (pessoas já pré-existentes nessa localidade), mostrando uma usurpação de seus direitos a terra. Isso implica na impossibilidade de continuar existindo como grupo com determinada cultura, de retirar sua subsistência, pois hoje seus produtos são determinados como produtos de exploração ilegal, os quais antes eram considerados legais.
Outro discurso é a necessidade da criação de espaços públicos em benefício da nação, como a criação de áreas naturais protegidas sem população, sendo o Estado representante dos interesses das populações urbano-industriais. Isso representa os espaços para lazer, ou chamado “contato com a natureza selvagem”, ou, ainda, segundo uma versão mais moderna, a proteção à biodiversidade.

No entanto, em nome da biodiversidade os discursos diferem. Quando há planejamento de instalação de grandes projetos, hidrelétricos e minerais, a população local é expulsa em nome do desenvolvimento, ou também é expulsa para a criação de áreas de proteção restrita. No primeiro momento é o desenvolvimento que define as regras da natureza, no segundo também, pois em nome do desenfreado desenvolvimento ocorreram necessidades de proteção da natureza, ou criação de “áreas verdes”.

Outro agente é apropriação dos espaços de bem público (praias, margens de rios e lagos, serras e outros) pelos grupos imobiliários, através dos condomínios fechados, criando dessa forma, um uso restrito do espaço comum com concordância do poder público, Nação, Estados e Municípios, principalmente com a construção das infra-estruturas.
Outro discurso é a indústria do turismo, a qual fez da natureza seu objeto, o chamado “turismo ecológico”, em que as áreas protegidas e intocadas passam a ser local de um turismo selvagem simplesmente.

Assim, esses discursos representam a forma de apropriação do espaço em nome da construção de patrimônio natural, da proteção à natureza, representada, é claro, pela sociedade vigente, como aponta Diegues (2000, p. 120): “*...+ a força mais profunda que movimenta o homem e faz com que invente novas formas de sociedade é sua capacidade de mudar suas relações com a natureza, ao transformá-la *...+”.

O discurso do medo ecológico
Tantas foram as preocupações mundiais que assolaram nesse final de século e até hoje vigentes, sendo que as ameaças das catástrofes ecológicas planetárias ganharam expressão notória. Assim, o fenômeno das catástrofes ecológicas reflete o medo ecológico, o sinal do fim da Terra, notícias que ganham expressão com a mídia por meio da televisão, jornal falado e escrito, revistas científicas ou sensacionalistas. Enfim, é um modismo, mas baseado em descobertas sobre a relação selvagem da sociedade com o meio ambiente, através do desenvolvimento econômico dicotômico.
Não podemos deixar de considerar que se expandem, cada vez mais, os inúmeros cenários das catástrofes, como exemplo o agravamento da poluição na atmosfera. Para esse agravamento foram apresentados três atores: primeiro ator as chuvas ácidas, ocasionadas devido à concentração de gases e poeiras na atmosfera; segundo o buraco da camada de ozônio devido à emissão do cloro-flúor-carbono (CFC) pelos circuitos de refrigeração e o último o efeito estufa, provocado pelo excesso de gases na atmosfera, aumentando as temperaturas médias da Terra.
Nesse contexto sobre o aquecimento da Terra, os estudos sobre o clima ganharam expressão através dos eventos nacionais e internacionais, principalmente no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), criada em 1988 pela Organização das Nações Unidas (ONU) e Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Também temos outras formas de poluição, como: a questão dos resíduos sólidos nas cidades, pois hoje nossa população é essencialmente urbana; os resíduos tóxicos provocados pelas indústrias e as técnicas na agricultura, principalmente da utilização de agrotóxicos e fertilizantes em busca do aumento da produtividade; e a perda da biodiversidade pela apropriação inadequada dos grandes biomas, principalmente as áreas que deveriam ser disponibilizadas para a averbação de área ambiental e as Áreas de Proteção Permanente (APPs).
O medo ecológico atingiu a opinião pública mundial, já sensibilizada pelas catástrofes ecológicas mostrando que a ciência e a técnica podem se voltar contra a humanidade, como afirmam Alphandéry et al. (2000, p. 73):
[...] a era otimista do crescimento em um desenvolvimento linear do progresso parece hoje encerrada desde que uma grande parte dos habitantes das sociedades modernas tomou consciência de sua dependência em relação aos equilíbrios fundamentais da natureza [...]. O discurso da universidade
Os grandes avanços tecnológicos tiveram suas fundamentações no conhecimento científico, na maioria, resultados de pesquisas originadas nas Universidades. Assim, a Universidade gera conhecimento para a prática dilapidadora, mas também é o lugar de denúncia e de conscientização.
No início, as questões ambientais foram abordadas como assuntos dispersos em departamentos isolados, pois em alguns locais a pesquisa universitária articula-se diretamente com as demandas do Estado e com projetos das corporações particulares, em outros ergueram verdadeiras lutas ambientalistas.

Hoje, esse quadro diferencia-se, pois as pesquisas ambientais ocupam o terceiro lugar entre os principais setores de atividade de pesquisa do país, equivalente a 22% do total, segundo Ab’saber (2002). Também outro ponto é a criação de novos cursos na área ambiental (Engenharia ambiental) no aumento dos programas de pós-graduação na área ambiental (Direito ambiental) e em vários setores dos meios de comunicações.
Mas, produzir conhecimento com novas tecnologias inovadoras, no intuito de estreitar as relações da natureza e homem, necessita que as Universidades distribuam bem essas informações para a sociedade, para essas utilizá-las. È claro que necessitamos de um projeto maior, não apenas por setor, como saneamento básico, saúde, despoluição e outros, mas um projeto pensando no futuro bem-estar da humanidade, não somente no desenvolvimento econômico. Assim, a divulgação é fundamental, nos diversos meios de comunicação, como a maioria da população fica diante da televisão, isto não significa diminuir esse tempo, mas utilizá-lo como porta-voz das pesquisas ambientais desenvolvidas (FELDMANN, 2002).

Nesse sentido é fundamental desenvolver um método de divulgação do conhecimento ambiental para a sociedade, como afirma Ab’saber (2002, p. 57): “*...+ a comunidade acadêmica precisa ter uma predisposição de levar a informação à população, de modo a possibilitar ao maior número de pessoas o acesso ao conhecimento *...+”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relação homem/natureza ou sociedade/natureza configura-se os modos pelos quais as diferentes culturas, nas diferentes épocas, se relacionaram com o natural, ou seja, a exploração dos recursos naturais. Embora os discursos ambientais sejam variados, foi o desenvolvimento econômico que engendrou os diferentes discursos ambientais, pois a relação sociedade/natureza é uma forma de materialização do modo de produção.
Temos necessidade de conceber uma nova relação sociedade/natureza e não simplesmente mudar de modo de produção, pois existem outros modos de produção, mas possuem os mesmos problemas. É necessário procurar desenvolver formas de apropriação que considerem o ecossistema como um todo, ou o ambiente.

Talvez o nosso grande desafio seja apresentar novos discursos ambientais que efetivamente trabalhe o sistema como um todo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ALPHANDÉRY, Pierre; BITOUN, Pierre; DUPONT, Yves O equívoco ecológico: riscos políticos. São Paulo: Brasiliense, 2000, 189p.
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BRANCO, Samuel Murgel. O meio ambiente em debate. São Paulo: Moderna, 1997. 95p. (Coleção Polêmica).
CAPRA, Fritijof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1981. 447p.
DIEGUES, Antonio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 3. ed. São Paulo: HUCITEC, 2000, 200p.
FELDMANN, Fábio. Muito desenvolvimento e pouca sustentabilidade. Revista Ecologia e Desenvolvimento, v. 10, n. 100, 2002, p. 9-11.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2000. 148p.
RODRIGUES, Arlete Moysés A questão ambiental: novas práticas e novas matrizes discursivas?. In: SOUZA, Maria Adélia Aparecida de; SANTOS, Milton; SCARLATO, Francisco Capuano; ARROYO, Monica (Orgs.). Natureza e sociedade de hoje: uma leitura geográfica. 2. ed. São Paulo: HUCITEC/ANPUR, 1994. p. 119-126.
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SANTOS, Milton. Metamorfose do espaço habitado. São Paulo: HUCITEC, 1996. 124p.


Fonte: http://www.revistas.usp.br/rdg/article/viewFile/47224/50960

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